A nossa sociedade está vivendo uma grande crise. Apesar dos enormes avanços científicos e tecnológicos, ainda vivemos vidas monótonas e robotizadas, onde predominam o egoísmo e ganância, o consumismo desenfreado, o imediatismo e busca de prazeres efêmeras, o julgamento e preconceito, a ignorância e pensamento raso, bem como a intolerância e a injustiça.
Ao mesmo tempo, temos acesso a cada vez maiores quantidades de informação e conhecimento, pois a revolução de comunicação digital, liderada pela internet e dispositivos móveis, oferece inúmeras facilidades e já provocou uma queda significativa de barreiras. Hoje em dia, é possível comunicar-se de forma instantânea, seja isso trocando uma ideia inovadora, seja fazendo um negócio novo, colaborando e aprendendo, seja simplesmente jogando fora um bom papo, com pessoas de países e culturas diferentes e distantes dos nossos, todos feitos inimagináveis poucas décadas atrás. As distâncias se encolherem, os povos se misturaram e, até certo ponto, as diferenças diminuírem. Afinal, somos todos seres pertencentes à raça humana, e as semelhanças entre quaisquer duas pessoas são imensamente maiores de que as diferenças.
Na esteira de tantas conquistas e manifestações em prol da família terráquea, como a declaração universal de direitos humanos, proclamada pelas Nações Unidas em 1948, a renovada esperança diante o fim da guerra fria e a queda do famigerado Muro de Berlin, as boas novas da erradicação de doenças como a poliomielite e a varíola, até mesmo as letras de músicas inspiradoras como Imagine do John Lennon, parece que a tão sonhada e desejada era de plenitude, onde reinam o bem-estar, a tolerância, a justiça social e a convivência harmónica e pacífica, esteja se aproximando.
Por outro lado, há de se perguntar se essa sociedade avançada seria uma mera utopia? Pessoalmente prefiro acreditar que não, apesar de também ter a impressão de que esse progresso e os importantes avanços já conquistados, de repente pararem e começarem a se distanciar novamente. Como então compreender e conviver bem com essas duas realidades conflitantes? Ficamos confusos, desesperanças e, em muitos casos, até deprimidos diante tudo isso. Como reconciliar as diferentes faces desse nosso mundo maluco, como reconciliar o belo com o feio, o bom com o ruim, a parte mais sublime do ser humano com a parte mais degradada?
O despertar é o momento em que nos nós abrimos para uma compreensão maior de que fazemos parte deste mundo, somos partes deste mundo e consequentemente, somos tudo isso. Como seres humanos, tanto na coletividade como na individualidade, somos belos e feios, elevados e bases, céu e inferno, terra e mar, amor e ódio e, em última análise, somos vida e morte. E não raramente, somos todas essas manifestações da condição humana ao mesmo tempo, descaradamente ou dissimuladamente, algumas vezes simultaneamente e outras, mudando de um papel a outro num piscar de olho. E mesmo dadas as diferentes matizes e graduações pessoais e grupais, e por mais que o verniz cultural quase nos obriga a mascara os nossos sentimentos e pensamentos mais íntimos, a realidade evidencia que somos realmente capazes de qualquer coisa, qualquer ato.
O que nos diferencia então, uma das outras? A intencionalidade em primeiro plano, pois é a intencionalidade que governa as nossas ações, que está por detrás das nossas escolhas e posicionamentos. Há também o nível de consciencialidade, como medida da compreensão que temos sobre as consequências dos nossos atos, sobre a nossa responsabilidade perante nós mesmos, perante os nossos grupos de convivência e sobre a sociedade como um todo. E finalmente, vale citar os quanta de lucidez que temos sobre os macroprocessos sócio-econômico-geopolíticos e a consequente visão de conjunto sobre o momento por qual está se passando a nossa sociedade.
Com base em ampla leitura e observação, podemos concluir que a humanidade está passando por um processo natural, também necessário, de renovação e reestruturação em todos os níveis e todas as áreas. A partir desta ótica, é possível entender que os conflitos que estão acontecendo ao redor do globo podem, na maioria das vezes, podem ser atribuídos às muitas décadas ou mesmo séculos de desequilíbrio, repressão e abuso de poder. São nada mais de que manifestações daquela parte mais sombria da humanidade que está ausente nos livros de história, por terem sido escritos pelos vencedores, e que se esconde por debaixo das máscaras da nossa civilização ainda primitiva e doentia.
Neste sentido, está vindo à tona tudo que foi oculto, reprimido ou ignorado. As doenças crônicas da alma da humanidade, que ficarem incubadas ao longo destes tempos, estão literalmente se eclodindo. Com qual propósito? A meu ver, é para serem tratadas e eliminadas, e o tratamento está disponível para todos, gratuitamente.
Pode ser um tratamento de choque para alguns casos mais graves, ou um tratamento mais leve para outros com menor grau de infecção, mas deve estar sempre aliada à uma reeducação profilática, para que não voltamos a nos contaminarmos.
E qual o nosso papel em tudo isso? Além de individual e intransferível, cabe a cada um de nós determinar – ser enfermeiro, educador, assistente, ajudante ou simples paciente? No final, isso depende essencialmente da vontade íntima de cada um, além da facilidade que se tem em perceber, sacar para onde está apontando o vento e mudar tudo o que for necessário. E fundamentalmente, há uma característica determinante para a reconciliação e posterior recuperação – o amor próprio, o amor ao próximo e o amor à humanidade, sempre em equilíbrio e na medida certa.
Jul 26, 2018